Incrível como a experiência faz você identificar coisas que antes seriam passadas despercebidas. Se eu tivesse esse blog há 5 anos atrás esse post não teria nem sido feito. Igualmente incrível é o fato de eu ter ficado empolgado a ponto de querer vir aqui escrever no blog depois de 2 meses; e a cerveja que me deu essa empolgação e que me trouxe aqui foi uma "pilsen" nacional!!
Brahma de agudos? Não. Serra Malte? Não. Original? Não. Skolzinha gelada? Também não. A melhor pilsen nacional de massa e engarrafada que eu já tomei na minha vida veio hoje, dia 30 de abril de 2013. A cerveja em questão: Kaiser, que pra muitos é a "cerveja da caganeira". Mas poderia ser qualquer uma...
Acontece que tem uma fábrica da Kaiser (leia-se fábrica da Heineken que fabrica Kaiser) na cidade onde moro. Eu estava sem pretensões, como acontece em 99,999% das vezes que eu compro uma cerveja de fábrica ( os outros 0,001% virão na próxima compra, da mesma cerveja, amanhã). Acabei entrando em modo automático e nem pensando na compra. A escolha da kaiser foi por 2 motivos: O primeiro estava no meu subconsciente: eu sabia que a fábrica daqui produzia kaiser, e por isso sempre compro kaiser quando posso. A chance dela ser mais fresca é maior (mais sobre 'frescor' abaixo). A segunda é que desde que eu comecei a tomar cervejas artesanais, importadas e caseiras, percebi o tanto que é besteira se ater a uma única marca de cerveja de fábrica. Meus irmãos podem testemunhar, quando vou a um bar, peço 1 Brahma. Quando a cerveja está vazia e o garçon vem com outra Brahma, geladinha, eu mando voltar e peço uma Antártica. E depois outra totalmente diferente das duas. Assim dá pra você tentar dizer se uma é mais lupulada que a outra, se está mais velha; e mesmo que não perceba diferenças, está criando algo muito incomum entre bebedores de bares: você presta atenção no que está bebendo. E isso já é ponto positivo o suficiente.
A Kaiser Shot, em embalagens de 250mL, custou R$1,09. Comprei 4 garrafas e paguei R$4,36. A garrafa é twist-off. Sabemos que tampinhas tipo pry-off (que precisam ser abertas com abridor) são melhores do que as do tipo twist-off*. No entanto, para uma cerveja jovem e bem armazenada, isso não faz diferença. Como não fez. A cerveja estava de acordo com tudo o que um guia de estilos diz de uma lager com adjuntos: "refrescante", "mata a sede", "sabores fortes são uma falha", "baixo corpo com alta carbonatação sendo portanto bem seca", "limpa" e "fresca/nova", "transparente". Lupulagem é quase imperceptível. Isso e apenas isso já é motivo de muita comemoração. Mas além disso, a cerveja não apresentava quaisquer sabores de fermento (DMS, diacetil, frutado ou Acetaldeído). Foi justamente esse último ponto que fez ela trasncender a uma cerveja comum. Caso eu estivesse julgando no estilo "standard american lager" pelo BJCP, daria uma nota de 42 em 50. (Detalhe que a maior nota que eu já dei em minha vida talvez tenha sido um 41 ou 42). Ela se aproxima muito do "na mosca" do estilo quando um cervejeiro a produz.
Acredito que uma porcentagem muito grande de cervejas saem assim da fábrica, beirando a perfeição. A tecnologia das fábricas, o controle de qualidade é realmente muito grande. Eu já tive a oportunidade de visitar essa mesma cervejaria mas na época ainda não tinha experiência e treinamento suficientes pra dizer se aquela cerveja da fábrica estava igual, melhor ou pior que essa da garrafinha. O problema acontece com tudo o que a cerveja sofre assim que é engarrafada e sai da fábrica. Calor, agitação, luz solar e tempo são as principais variáveis que estragam a cerveja. Em geral, portanto, uma cerveja jovem tem muito mais chances de ser melhor do que uma velha, já perto ou depois do prazo de validade. No meu caso, a cerveja foi feita a menos de 5km de onde moro. Tem data de validade para o dia 06/10/13 e se levarmos em conta que a maioria das cervejas tem validade de 6 meses, ela deve ter sido envasada a exatos 24 dias. Teve pouco transporte e consequentemente luz solar incidida, agitação e calor. Ou seja, a minha análise foi justificada por fatos concretos!!
A "tal" breja que deu origem à postagem |
E é por isso que nós degustadores, cervejeiros e entendedores devemos sempre propagar esse conhecimento de que a melhor cerveja não é aquela que eu estou acostumado a beber, mais tradicional, que é mais popular no meu estado por causa de comerciais ou por qualquer outro motivo. A melhor cerveja, quase sempre, vai ser aquela que, independente da marca:
1º) Foi feita há menos tempo, e portanto é a mais jovem das amostras;
2º) Sofreu menos "abusos" de agitação, calor e luz solar. E que foi armazenada em local mais frio.
Um outro ponto que eu queria cobrir é justamente esse armazenamento a frio. As cervejas lagers claras e de baixo teor alcoólico são uma das mais frágeis cervejas que existem. E é incrível como são justamente essas cervejas que mais passam tempo dentro de um depósito de bebidas com calor de 25-40ºC por 2-6 meses. A validade não é uma data mágica de onde a partir de um dia a cerveja não presta mais. Ela é, principalmente para a cerveja, uma curva de absorção de oxigênio que aumenta com o tempo E COM A TEMPERATURA. Essas cervejas deveriam ser armazenadas em geladeira.
Tive uma experiência tão boa com essas cervejas comuns e baratas que estarei mais atento às datas e locais de fabricação. E estarei bebendo mais delas. Porque nesse país quente, não há porque não beber uma quando se está com sede.
*Garrafas de tampinhas com rosca tem maior entrada de oxigênio que as garrafas que precisam ser abertas com abridor, causando menor tempo de prateleira. No entanto, são mais práticas e é óbvio que as grandes cervejarias já fizeram a conta do que vale mais a pena.