Escola Brasileira de Cervejas?

on 13 de novembro de 2012

Criei esse blog pra que ele fosse um espaço pra eu colocar minhas opiniões e minhas experiências cervejísticas.  Bom, no quesito "Escola Brasileira de Cervejas" eu tenho uma opinião que pode ser considerada contrária a de muitos apreciadores da cultura de cerveja artesanal, assim como a de produtores de cerveja.

Não vejo porque falarmos de "escola brasileira" nesse momento, muito menos daqui a 5 ou 10 anos.  Por que?  Pra mim são tantas as razões que parece ser até uma discussão desnecessária.  Mas escrevo aqui porque muitas pessoas não compartilham dessa minha opinião.  A meu ver, não temos maturidade, nem produção suficiente e muito menos tendências de produção que justifiquem a criação de uma escola que seja puramente brasileira.  Acho inclusive que tal desejo de ter uma "escola brasileira" NUNCA se concretize.

De acordo com o Alexandre Bazzo, uma "escola" se estabelece quando cria uma tendência/mudança/gama de novos estilos, ASSIM COMO introduz um (ou mais) método(s) de produção.  Eu discordo dele e acredito que se apenas novos estilos e/ou modificações de um estilo são o suficiente para fazer essa separação.

Um ponto interessante é que muitos desses novos estilos surgiram por barreiras geográficas em um mundo pré-globalizado e pré-internet.  Claro que há a possibilidade da criação de novos métodos e novos estilos de cerveja, mas as grandes diferenças que surgiram antes do séc XX são mais significativas por não existirem padrões comparativos ou método científico que aponta em tal direção ou ainda medição de eficiência para a produção de mais por menos.  Uma característica que tem sido associado a muitas mudanças de métodos de produção é o jeito que é feita a taxação da cerveja.  Por impostos sobre o volume da tina de brassagem?  Do teor alcoólico?  Volume anual de produção?  Pelo valor ou quantidade total de maltes comprados?  Toda diferença em como os impostos são aplicados geram uma maneira diferente de produzir as cervejas em determinado país..

 Inclusive vale a pena dizer que o termo "escola" é usado apenas por nós.  Em outros países eles se referem apenas à nacionalidade das cervejas produzidas.  

Façamos a distinção das diferentes escolas historicamente.  Antes de mais nada, as escolas que eu considero existentes hoje no mundo são: alemã, inglesa, belga e americana.  As 3 primeiras são as mais tradicionais e que se estabeleceram há muito tempo.  A Americana, que ainda é um pouco controversa, ganhou destaque a partir da década de 80, quando novos e inventivos cervejeiros começaram a produzir cervejas que eles gostavam, desenvolvendo novas variedades de lúpulos (mais cítricos, algo incomum em outros lugares) e fazendo versões de cervejas mais alcoólicas e mais lupuladas do velho mundo.  Esse uso desenfreado de lúpulos em grande quantidade para amargor e aroma, aliado aos estilos um pouco mais alcoólicos e a característica de colocar inúmeros ingredientes que antes não se pensava em colocar na cerveja foi o que criou o estilo americano de fazer cervejas.  Foi um processo relativamente rápido em um mundo que ainda não tinha sido desbravado pela internet.

Se olharmos o BJCP, veremos que as categorias (que vão de 1 a 23 para cervejas)  são agrupamentos feitos para fins de competição.  Não existe relação histórica e/ou de produção entre seus subestilos.  Mais ainda, veremos que cada "escola" tem vários estilos representados, e não apenas um ou dois.  É por isso que, mesmo que inconscientemente, incluímos a Escócia e a Irlanda juntos com a Inglaterra na "escola" inglesa, e também não incluímos a Rep. Tcheca como "escola".  Queremos com "escola" classificar grandes e históricos/tradicionais centros cervejeiros.  Um bom ponto a se pensar é que em cada um desses grandes centros, existem pessoas que apenas bebem cervejas daquele centro.  Alemães tomando cervejas alemãs, ingleses bebendo cervejas ingleses, belgas bebendo cervejas belgas e americanos bebendo cervejas americanas.  Isso é perfeitamente plausível.

Por que o Brasil se encaixaria em um desses grandes centros?  O que temos aqui que pode se tornar uma tendência para criar "pessoas que bebem apenas cervejas brasileiras"?  Existe alguma tendência a se fazer um estilo ou conjunto de estilos que justifique a criação de o que chamaríamos "escola brasileira"?  Existe alguma técnica de produção ou equipamentos diferentes de outras partes do mundo? São essas as perguntas que temos que responder para entendermos que o Brasil não é e nem tem previsão de ser referência em estilos de cerveja.

Não acho que devemos ter complexo de vira-latas em relação a isso.  Somos muito jovens na produção de cervejas artesanais.  E justamente por isso, ainda estamos na fase de copiar o que outras nações já fazem muito bem há muito tempo.  Não me envergonho nem um pouco de fazer isso.  Temos de passar por esse ciclo antes de pensar em criar algo nosso.  Mais ainda, não adianta criarmos um estilo ou maneira ou ingrediente especial brasileiro, chamar de 'cerveja brasileira' e tentar impor isso ao resto do mundo.  Para que a tal "escola" seja criada, é necessário uma demanda, uma vontade de muitos brasileiros de se beber essa cerveja.  Como ainda estamos inventando e colocando tudo quanto é fruta, raiz, erva e tempero, não existe mais do que uma ou duas cervejarias fazendo a mesma coisa.

A tendência óbvia do brasileiro é a de beber cervejas mais claras, mais secas e menos encorpadas.  Lagers claras me vem à cabeça.  Isso é óbvio porque faz calor no país inteiro durante pelo menos 9 meses do ano.  Outra tendência óbvia que nos faria diferentes do resto do mundo seria bebermos mais e mais cervejas com ingredientes tipicamente nativos do Brasil.  Maracujá, castanha-do-pará, jabuticaba, açaí, cajú, frutas amazônicas e do cerrado são opções. Ervas (e raízes) como a priprioca para mim são mais interessantes ainda pois o seu uso em vários tipos de cerveja é mais fácil de aceitar pra mim do que frutas (O gosto de uma fruta diferente é algo que queremos variar em cada cerveja, e não ter em todas.  Enquanto que o uso de uma raiz ou erva pode se tornar um uso geral).  Mas para criarmos um costume de sempre usar O MESMO ingrediente, esse ingrediente tem que ter algumas características que o fazem superior aos outros.  Não é à tôa que o lúpulo se tornou ingrediente obrigatório em toda cerveja: ele tem propriedades múltiplas e únicas que o tornam único no seu uso em cerveja.  Toda essa discussão me diz que faltam muitos testes pra descobrirmos um ingrediente, uma técnica que nos diferencia do resto do mundo.  E ainda é possível que a ciência nos ajude..

Enquanto um americano, um inglês, um belga ou alemão não tomarem uma cerveja e falarem "hmmm, isso é típicamente brasileiro", não podemos começar a pensar em "escola brasileira".  Até lá, é melhor repensarmos essa nossa obsessão em termos cervejas tipicamente, porque não há.  Lembrem-se: as palavras-chave são tendência e costume em mais de um estilo, técnica ou ingrediente.  E isso leva tempo.  Em alguns casos, séculos.  Em outros casos extremos, e os EUA são o exemplo mais novo disso, uns 30 anos...


4 comentários:

Unknown disse...

Phil muito bom o artigo, excelente reflexão, concordo plenamente, também leio muito sobre cerveja (inclusive achei de grande valia alguns reviews que você postou) e vejo realmente que um estilo de cerveja não é criatividade, é algo intimamente ligado á situação geográfica, econômica, social e temporal além de inúmeras outras variáveis.
Meus parabéns pelo artigo, novamente.

José Bustamante Cereno Taieiro disse...

Muito bom, ótimos posts. Sempre que entrevistam um cervejeiro vem essa pergunta cretina do "estilo brasileiro". Pra mim é falta de assunto, não há porque ficar se preocupando com isso.

Anônimo disse...

Phil, talvez eu tenha a idade do teu pai....mas como é bom aprender com um jovem como você...teu post e claro e de uma lucidez impressionante...é isso ai. Sou cervejeiro caseiro, e teu blog tem sido referência. abraços e parabéns

Phil disse...

Muitíssimo obrigado pelo seu comentário!! O blog anda meio parado, mas eu acredito que dentro de um mês eu retome à todo vapor. É legal poder expressar a minha opinião em posts, ao invés de ficar postando notícias que outros sites postam. Eventualmente eu posso postar alguma notícia aqui, mas seria porque eu acho importante que todos saibam.

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
AD DESCRIPTION